segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pomar



Alguns têm apontado minha ausência de sorrisos luminosos, dizem que a feição pálida dos gestos delicados permanecem, contudo os olhos hibernaram e parecem não querer verão. E por mais que expresse querer o banco ao lado vazio, abro os braços pra quem passar, pra quem quiser ouvir ou renegar. Um grande amontoado de nada, que cultivo com tanto afeto, que desenho com os lábios avermelhados, que envio em cartas, que escrevo nos muros, que passeia no peito sem passos pra acompanhar, que pia no meu pomar. Fotografias, gestos, mecha de cabelo, colo, mordida, bolo com café, um prato a mais na mesa, cafuné, retalhos de versos, bilhete na carteira, portão aberto com mesa florida. E tudo que eu tenho a ofertar, que eu quero ofertar parece muito que não se sabe lidar, controlar, acalmar. Ou pouco, que se renega e desmente. Eu desfrutei do ontem cheio de bolor, sem mágoas, andei até o portão sem olhar pra trás, mesmo sentindo os olhos me seguirem dizendo com calma um adeus manso. Proponho-me ao corte, a dor, o escarro e todas as mazelas do peito rasgado se junto vier o gosto dos beijos que ainda não provei. Não tem maçãs lustrosas no meu quintal, mas tem pé de jabuticaba, amora, saudade. Colho e sem ao menos lavar, descascar ou oferecer sorvo até fazer do meu peito um pomar privado. Ainda me ofereço pra quem quiser colher, cuidar, regar. Talvez seja tudo temporada, a seca pode esquentar meus pés, a chuva sempre aparece, o portão está aberto.

3 comentários:

  1. Lindo o texto. Sutil de diferentes formas, vívido, ainda que quase um lamento. Eu disse quase.

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  2. A gente é como um pedaço de chão, mesmo. Oscilando entre o fértil e o árido... Nos impondo e querendo que alguém, enfim, se estabeleça...
    Ótimo tudo, moça. Blog e textos. E que venhas para ficar.

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  3. A tempestade sempre tem seu momentos nos nossos momentos. Só desejo que essa mornidão no olhar não dure muito tempo.

    Não se ofereça, acho que esse é o segredo. Não espere, não pense.

    Se cuida.

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