quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2011




Planos para o ano que nasce:

Tatuar minhas andorinhas

Deixar meus próprios cabelos esquentarem os ombros

Gravar na luz a imagem de todos os meus afetos e colar na cabeceira

Ler os livros da estante, ganhar alguns e comprar outros

Cantar todas às vezes que sentir vontade, mais canções, só ou acompanhada

Estudar, aprender mais sobre tudo aquilo que eu realmente gosto

Riscar todos os filmes da minha lista

Plantar margaridas e fazê-las vingar

Voltar a nadar, minha sensação de liberdade favorita

Cadastrar-me como doadora de sangue e medula

Escrever mais, mandar mais cartas, entrar em alguns concursos

Ligar sempre que tiver vontade e ter alguém pra responder do outro lado

*Ter alguém pra ligar

- Espero riscar cada desejo da lista até o final do ano.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Trilha



É, eu me perdi. Não sei onde deixei os sapatos antes de sair, se guardei as chaves, a água secou no fogo em pleno esquecimento. Adormeci com os olhos abertos nos braços mornos deles. O sono nunca chega, nunca. Queria poder em lençóis infantis, quase virginais na alvura de uma extensa calmaria. Acordar seria menos cansativo. Não estou reclamando, não é isso. Só que perder-me tem se tornado constante. Provas, contas, camas, olhares, banco vazio ao lado, silêncio com rádio ligado. É, ainda me sinto agressivamente solitária. Não aguei os dias, rabisquei o corpo, pintei os lábios e sujei alguns copos, parei de atender o telefone, mas abri diariamente a caixa de correio. Perdi-me em meus próprios cabelos, embaracei os meses, cortei-os até os ombros e ainda não sei se me arrependi ou não. Inquieta permaneço, tranço alguns fios. Aqui continuo, o endereço não mudou. Talvez não receba mapas, latitude e longitude se expandem nos desejos, mas se as coordenadas são seguras, desconheço.

Diana M.

sábado, 13 de novembro de 2010



Revi as penas de anjo que embaraçam meu cabelo, senti a boca secar na nascente dos olhos que apelam pelas regras do choro. Esqueci como se chora, emudeci o soluço de uma vida inteira pela metade. Isso faz embaçar sem grau de reparo todas as cores que me são ofertadas com ou sem digitais. Paladar salgado, gosto de sol ao meio-dia. Não adiantou pensar em você fazendo encher a banheira de saliva. Na curva da minha cintura não floresce nada sem a o chuvisco das retinas. Você disse que queria ver o mar. Gravei o pedido mas rodas da minha bicicleta. Pedalei enquanto o escuro do céu se confundia com o negrume do asfalto. Mal enxergava meus próprios dedos arroxeando-se no alento do vento frio que cobria a nuca. Ao chegar sorvi do som que batia no pano listrado da blusa e fazia dançar a mecha de cabelo que lambia o ombro num arrepio. Dos olhos não brotava água ou sal, concha ou grão, tudo se expandia na imagem viva que batia, no pedido que pulsava, no desejo preso no peito, no não saber. Era tarde, tenho letras, números, rabiscos pra amanhã. Mas, sorri de canto de boca, sem poeira, sem ninguém ver, só por beber do seu pedido. Só por não lembrar como fazer da manga listrada uma borda de areia. Só por compreender que mesmo não sendo meu recanto, querendo ou não, o choro permanece na concha que guardo na estante do quarto.

Diana M.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pomar



Alguns têm apontado minha ausência de sorrisos luminosos, dizem que a feição pálida dos gestos delicados permanecem, contudo os olhos hibernaram e parecem não querer verão. E por mais que expresse querer o banco ao lado vazio, abro os braços pra quem passar, pra quem quiser ouvir ou renegar. Um grande amontoado de nada, que cultivo com tanto afeto, que desenho com os lábios avermelhados, que envio em cartas, que escrevo nos muros, que passeia no peito sem passos pra acompanhar, que pia no meu pomar. Fotografias, gestos, mecha de cabelo, colo, mordida, bolo com café, um prato a mais na mesa, cafuné, retalhos de versos, bilhete na carteira, portão aberto com mesa florida. E tudo que eu tenho a ofertar, que eu quero ofertar parece muito que não se sabe lidar, controlar, acalmar. Ou pouco, que se renega e desmente. Eu desfrutei do ontem cheio de bolor, sem mágoas, andei até o portão sem olhar pra trás, mesmo sentindo os olhos me seguirem dizendo com calma um adeus manso. Proponho-me ao corte, a dor, o escarro e todas as mazelas do peito rasgado se junto vier o gosto dos beijos que ainda não provei. Não tem maçãs lustrosas no meu quintal, mas tem pé de jabuticaba, amora, saudade. Colho e sem ao menos lavar, descascar ou oferecer sorvo até fazer do meu peito um pomar privado. Ainda me ofereço pra quem quiser colher, cuidar, regar. Talvez seja tudo temporada, a seca pode esquentar meus pés, a chuva sempre aparece, o portão está aberto.

sábado, 23 de outubro de 2010

Quereres



Abri a janela do ônibus noturno fazendo o vento gelado soprar as nuvens do azulado das minhas unhas. O ar entrou pelas mangas maduras da minha camisa cansada, fez esfriar. É contínuo o anseio de um cobertor de pele nos transportes urbanos. Deparo-me com certa frequência irritante os casais adocicados que transformam bancos em movimento rastejante um pedaço de nuvem sem céu. Nesses relances permito-me querer. Querer um cabelo quente no meu colo frio pra fazer neblina com as próprias mãos. Esquentar o espelho à dois e enxugar o beijo com calma. Aguar as horas, pelejar com as filas, chutar algumas pedras sem sapato e poder sorrir ao telefone, desmembrando o dia em notas no ouvido mais aveludado. Escrever conselhos no cobertor, encher a estante com verbos novos e compartilhados, transbordar a panela com algum tempero que faça memória. Alguém pra dividir afeto. Alguém que queira querer.

Diana M.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sede



E numa terça asfaltada, perfumei os cabelos cansados, calcei os pés de piar recente, fiz do arfar das novas penas o movimento circular das rodas que levam-me até aquele que bem conheço.Sentamos na calçada, entrelacei os dedos frios nos fios da camisa que instantes mais tarde, mais escuro, aquecia o chão de um quarto sem lençóis. Tudo nasce na língua, no salivar de alguns meses passados, nos dentes desabotoando os sorrisos na quintal vazio. Pulei a janela, pedi um copo suado de água, contorci no ímpeto carnal até os sons abafarem no travesseiro. Calças no joelho, a boca enche de asco escorrendo pelos pêlos que prosseguem movimentando-se sem perceber que o castanho da visão tornou-se reflexo da janela aberta. Choro pelas pernas, meu lacrimejar mancha as linhas das mãos que me guiam até o portão. A citosina desmembra a penugem, fazendo do ninho memória. Mas, a boca não sorri, o beijo não pede em matrimônio. Falta, falta o que eu nem sei. Creio que o acúmulo daquilo que nunca provei faça azedar todas as bocas efêmeras.