quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Pode ir



Sua ausência me calou de súbito. Cresceu um vazio pesado como pedra em cima do peito, entalando a garganta, cortando a voz, esmagando toda e qualquer palavra. Eu me odiei por isso, tanto que cuidei para que meu lirismo não fosse efêmero, não fosse parco, ao menos fosse. Queria-te como quem deseja um motivo pra continuar com os dias, com o emprego maçante, com as visitas de domingo entediante aos parentes distantes. Você sempre coloria o azedume do medíocre que é a minha vida sem os seus dedos no meu travesseiro, na minha janela embaçada, no meu dizer verborrágico. Esses versos decassílabos que emoldurei no seu caderno só me tornaram prolixo. E eu que tinha pés tão fincados no chão e mapas dos meus caminhos, me vi perdido em vazio e caos. Percorri atalhos que sempre soube que eram desvios rasos, sem pudor e sem vergonha. Precisei me perdoar a cada noite numa tentativa de apaziguar meu sono, numa vã tentativa que meu sonho não te trouxesse. Sua falta me pesou no nó da garganta todas as vezes que dizia seu nome e não me respondia. Sou o resíduo do caos improdutivo que você deixou entre as suas coisas esquecidas em mim, em nós, em tudo aquilo que deixamos de ser. Sou a vontade de te ter de novo, pelo menos a voz pelo telefone calando o som mudo do seu adeus sem palavras.

Ao som de Você pode ir na janela - Gram

Parceria com o Darlan palavrasobliquas.wordpress.com , meu maior parceiro, sua leitora mais fiel

segunda-feira, 21 de novembro de 2011




Como se o pássaro inquieto entre as minhas costelas salivasse entre os órgãos, ansiando sair pela boca de ninho. Gosto de palha seca entre os molares, canto que mora na lembrança fina e resistente como pele de ovo. Passarinho que não sabe voar quebra as asas pela heresia da recusa dos seus instintos. É como meu coração que não sabe amar, recusa todos os ensinamentos infantis, cristalinos. A ponta da língua sangra em resposta da briga pela visão do sol. Como se fosse perder o ar, o chão, o restante do dia, o pássaro por entre os dentes rasgando a parede dos meus argumentos sai, voa intensamente mesmo com as asas sebosas pelos resíduos de receio humano. Alcança voo pleno, linear e quente como o meio-dia do relégio. Quase ria dentes para sorrir tamanho contentamento surrealista, orgasmático. Tão rápido, tão vívido, tão puro que nem abriu os olhos em pleno percurso e esfacelou-se no primeiro muro. Mil pedaços se dizeram, catei um a um e engoli a seco. Ele nunca deveria ter saído.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Se atreve?




"É melhor que as drogas, cocaína
de alta pureza, crack...
Cana Índia, LSD, alucinogénos,
cannabis, extasie.
Melhor que o sexo, mamadas, raves
e relações complicadas.
Melhor que a comida,
que a manteiga.
Melhor que Lucas,
no final de 2001.
Que o baile de Marylin,
a Schtroumpfette, Lara Croft...
Que a melhor peça de teatro
alguma vez feita.
Melhor que Jimmy
Hendrix, que Armstrong.
Melhor que sair que dar uma
volta com o Papai Noel
Melhor que Bill Gates, que os trances
do Dalai-Lama.
Melhor que a testosterona ou o colagêno
nos lábios da Pamela Anderson.
Melhor que as drogas
de Rimbaud, de Morrison.
Melhor que a liberdade.
Melhor que a vida."
(Filme - Jeux d'enfants )

sábado, 7 de maio de 2011

Prisioneiro

A caixa de fósforos caiu da minha mão, molhou a chama que nem acendeu o cigarro. Bebemos da mesma boca até secar a raiz da língua, enjoando as doses prometidas. Aposentei temporariamente a caneta na sua almofada, acabou borrando de azul a ponta dos seus dias. Parecia ter moldado em seus olhos aquela que almeja encontrar em mim. Como se esfarelasse sem lacrimejar, optar ou crer. Prometeu-me roubar rosas do meu quintal todas às vezes que molhasse-me com sal, mas esqueceu as sementes nos planos. Mapeou a futura germinação, traçou a profundidade das raízes prevendo a data das colheitas. Esqueceu os dias de seca, pragas, mariposas invejosas. Talvez não tenha o arado, as cercas ou o calendário para fazer florescer. Talvez... O latifúndio faliu com os meus dias, com o sol, com as regras agrícolas, com os frutos. Desculpe se traí você, cansei de me trair constantemente.

Diana M.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O tempo



A mesma sala de cinema, a música sempre se repete, o café enche o copo. Atrasado ou ao meu lado, sempre sinto saudade. Um beijo no meu pomar, um afago no quintal, uma mordida no sofá. Lancei-me aos braços da sua proposta. Equilibrei meus pés e passos apressados no salto. Um vagalume perdido indicou os degraus pra poltrona do cinema. Tropeço, riso, corar sem sol, pegou na minha mão. Salvou meus dias sem capa ou super poderes, mostrou os furos à bala e renegou os agradecimentos e medalhas. Mas é impossível não manchar o ouvido com um "Obrigada".


Diana M.