domingo, 1 de abril de 2012

Moreno e os três nós




E em algum desses dias atípicos de setembro, recordo que apareceu na minha porta. Era impossível não te ver. Frondoso, peito largo e com a cor de pele que tanto me fascinava. Poderia repetir todos os dias que o tom de canela da sua pele era extremamente encantador. Desci as escadas estreitas correndo na ânsia de te ouvir, das suas novidades, do seu bom dia. Ofereci um café fresco , você como sempre recusou . Entrou nos cômodos, sentou-se na cama, acarinhou o gato manhoso, tirou os sapatos. Começou a tecer os comentários sobre o concurso que passou, os cursos em vista, o dinheiro pra viagem. Ouvia-o atentamente e criava em paralelo um lugar ao seu lado nesses planos. Onde comprava o pão pro seu café da manhã, já que saia bem cedo de casa. E te ajudava a economizar, buscava guias turísticos na internet, via os melhores pacotes de hotéis. E assim, absorto em seus planos como que num relâmpago desperta:
- Já ia esquecendo, trouxe uma lembrança pra você.
Ruborizada fingi que não precisava se incomodar ou até mesmo lembrar de mim (mentira). Transbordava todas às vezes que dizia lembrar de mim ou algo relacionado ao meu gosto.
- Trouxa da última viagem trouxe essa fitinha e como sempre fala dos seus desejos, suas vontades, resolvi ajudar.
Coloco meu punho à mostra , diz que preciso fazer três pedidos. Um a cada nó.

A tarde de esvai em conversas bobas, planos, risadas dos outros e de nós mesmos. Começou esfriar, convenci-o a tomar um banho (ainda tinha uma muda sua nas minhas coisas). Quando saiu do banheiro envolto no vapor morno do chuveiro, embaçando a janela, por um instante senti a lembrança da quentura dos seus braços. Dos dias que ligava pra desejar um bom dia, das cartas que te deixava ao pé da cama, da minha mania de café e da sua cerveja sagrada. Daqueles dias que feneceram comigo acordada e nem dei por mim. Por um momento recordei no nó da garganta a saudade que me fazia engolir. E, Meu Deus, não era pouca. Era um tanto que se fazia palpável em mim. Aquela sensação pesou o ar que ao entrar nos seus pulmões largos, afundou.

Deitou ao meu lado, pegou nas minhas mãos argumentando elogiar a cor das minhas unhas. E de relance, disse:
- Também sinto sua falta.
Como sempre orgulhosa, perguntei com sorriso sarcástico:
- Como assim "também"?
- Tem razão, posso falar da minha saudade somente. Da falta que você me faz, e na verdade, nem sei a razão de esperar tanto pra te dizer isso.
Fiquei sem resposta como sempre. Pra descontrair, perguntou:
- Pode me contar dos três pedidos? Juro que não sai desse quarto.
Olhei pro próprio pulso, levei uns dois minutos fingindo pensar, criando expectativa. Disse que o primeiro pedido era que ficasse a tarde inteira ao meu lado. E havia se concretizado. O segundo era tomar um grande sorvete de menta com chocolate que há tempos não tomava. Levantou apressado, colocou os sapatos e carinhosamente disse que meu segundo pedido seria realizado agora mesmo. Sorri tão intensamente que abriu o tempo lá fora. Coloquei os sapatos, peguei a bolsa e quando abri a porta:
- Hei, não me contou o terceiro.
- O último tem que ser segredo. Quem sabe daqui um tempo te conto?
O último era que não passasse somente a tarde ao meu lado, e sim, a vida inteira ou um bom pedaço dela.

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